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Cinema

“Torre das Donzelas”: revisitar a história é uma ferramenta política e de luta

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Dirigido por Susana Lira, a produção de 97 minutos traz relatos da ex-presidenta Dilma Rousseff e de companheiras que foram perseguidas e presas no presídio Tiradentes, em São Paulo, durante a ditadura
Imagem Destaque
Rafael Silva/CUT-SP

A historiadora Emília Viotti da Costa tem toda razão quando afirmava que um povo sem memória está fadado a cometer, no presente e no futuro, os mesmos erros do passado. Pois bem, passaram-se 34 anos desde o fim da ditadura militar brasileira e, em pleno século 21, estamos sob o risco de uma nova ameaça das liberdades e de participação social. Afinal, membros do próprio governo falam em reeditar medidas como o AI-5, fechar o Congresso e o STF, além de dar plena autonomia para as forças policiais agirem como bem entender.

E é nesse contexto de preservar a memória e transmitir às novas gerações o que foram os anos de chumbo (1964-85) que o documentário “Torre das Donzelas” se estabelece como um dos mais importantes e fortes registros desde o golpe de 2016, quando o Brasil mergulhou num cenário de instabilidade social, econômica, desemprego e promoção da violência e discursos do ódio.

Foto: Secom CUT-SP

Dirigido por Susana Lira, a produção de 97 minutos traz relatos da ex-presidenta Dilma Rousseff e de companheiras que foram perseguidas e presas no presídio Tiradentes, em São Paulo, durante a ditadura. Por abrigar mulheres que lutavam contra o regime, o presídio ficou conhecido como a Torre das Donzelas.

Na última quarta-feira, 4, o documentário foi exibido para o Coletivo de Mulheres da CUT-SP e convidadas, seguido de um debate com algumas das participantes do filme. A atividade, organizada pela Secretaria de Mulheres da CUT São Paulo, ocorreu na sede do Sindicato dos Bancários e Financiários de São Paulo, Osasco e Região, no centro da cidade e faz parte dos 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência Contra a Mulher organizada mundialmente pela Organização das Nações Unidas (ONU).

"Toda a população brasileira deveria assistir. Estas mulheres são guerreiras e sobreviventes, venceram as tragédias da ditadura militar e continuam firmes, denunciando toda a opressão e tortura que cada uma delas viveu enquanto presa política, inclusive a companheira Dilma Rousseff, nossa primeira mulher eleita legitimamente como Presidenta da República", diz a dirigente sindical Maria de Lourdes, a Malu. 

Para uma das ex-presas políticas, Rita Sipahi, o atual momento do Brasil requer cuidados, pois algumas instituições continuam utilizando o mesmo expediente da ditadura, de repressão e assassinatos, por exemplo. “Como a gente vai combater e entender essas estruturas herdadas dessa concepção que é a valorização dos militares? Até hoje isso continua por meio da própria Lei da Segurança Nacional, que é seguida na íntegra pela Polícia Militar que, aliás, foi criada pelos militares. Tudo isso são estruturas de poder que orientaram a ação dos governantes, e que estavam fundadas numa memória que eles seguem preservando”, alerta.

A última versão da Lei de Segurança Nacional, que define os crimes contra a segurança nacional, a ordem política e social, foi criada em 1983 e vigora até hoje.

“Esse filme nos inspira e fortalece para a luta. Nós vivemos uma realidade hoje na qual é fundamental não perder o passado para saber o caminho a ser seguido. Essas mulheres, em plena juventude, foram presas pela repressão por terem a coragem de lutar contra a ditadura e hoje são recebidas, com muito carinho e emoção, pelo Coletivo de Mulheres da CUT SP, pelas trabalhadoras que seguem firmes na luta em defesa da democracia, contra a violência, o desmonte das políticas públicas e o retrocesso que vem sendo imposto pelo governo atual", diz a secretária da Mulher Trabalhadora da CUT-SP, Márcia Viana.

O filme levou sete anos para ser finalizado e, além das 35 entrevistas, buscou reproduzir cenários a partir das memórias dessas mulheres, que toparam encerrar um longo período de silenciamento sobre detalhes desse período. O presídio foi desativado em 1972 para dar lugar às obras do metrô. Do local, sobrou apenas um arco de entrada, que foi tombado pelo conselho do patrimônio histórico do estado. Também reconstitui algumas cenas consideradas memoráveis pelas mulheres, como o dia em que foi permitida a entrada de roupas de festas. Elas resolveram, com isso, organizar um desfile entre elas até que, no momento da descontração, um militar entrou na cela e viu a cena. A partir desse dia, ele autorizou o banho de sol a todas, acreditando que a falta dele estava prejudicando a sanidade mental das presas políticas. No local, elas também se organizavam no preparo dos alimentos, rodas de debate e oficinas formativas. Usavam desse momento para compartilhar suas dores, a solidariedade, pensar a luta pelo reestabelecimento da democracia. De donzelas, nada tinham.


A ex-presidenta Dilma Rousseff também participa do filme relatando sua experiência. (Foto: Secom CUT-SP)

A advogada Cida Costa foi uma dessas mulheres. Segundo contou, após a prisão, o desejo de luta seguiu mais forte, pois conviveu com companheiras que se ajudavam e davam sentido a tudo o que viviam. “Cada uma de nós continua a mesma pessoa, mesmo passando tantos anos do ocorrido, pois o que me define é a minha opção política. Algumas coisas foram muitos difíceis, sem sombra de dúvidas, mas cada uma, de alguma forma, traça na vida aquilo que dá sentido a ela. No final, você se olha e diz que valeu a pena. E vocês são aquelas que estarão levando isso a diante, para outras gerações”, disse.

Já a mediadora de conflito, Guida Amaral falou sobre a violência que continuou após a prisão, pois o medo fizeram muitas se preservarem em silêncio. “Uma coisa que me fez refletir muito foi a autocensura imposta pra gente. O silêncio imposto, que só rompemos com esse filme. Depois da prisão, eu fui pra França e passei a encapar meus livros para ler no metrô porque tinha medo dos militares me pegarem novamente. E isso é muito grave”, falou.

A atividade também contou com canções apresentadas pelo grupo Mulheres Cantantes da CUT-SP, como a música de protesto “Sólo le pido a Dios”, do compositor argentino León Gieco, eternizada na voz de Mercedes Sosa.

O documentário “Torre das Donzelas” foi lançado no circuito de cinemas no dia 19 de setembro e já venceu os prêmios de Melhor Direção de Documentário e Melhor Documentário pelos júris oficial e popular no Festival do Rio, de Melhor Filme pelo júri popular na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e do Prêmio Especial do Júri no Festival de Brasília. Segue sendo exibido nos espaços de formação do país.

“É muito emocionante que elas puderam compartilhar suas histórias conosco. Saímos revigoradas e certas de estarmos do lado certo”, finaliza Elaine Cutis, secretária da Mulher na Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT). A atividade contou com a participação de representantes de vários sindicatos e ramos da CUT, além do movimento de moradia, da Marcha Mundial de Mulheres, jovens e famílias.

Mulheres Cantantes ao interpretarem “Sólo le pido a Dios”, do compositor argentino León Gieco (Foto: Secom CUT-SP)

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