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Pandemia

Vacinação privada, por empresas, cria "fila dupla"

Linha fina
Câmara aprovou projeto de lei 948/2021, que autoriza a compra de vacinas contra a Covid-19 pela iniciativa privada. Projeto segue para o Senado; Governo Bolsonaro, que negou compra de doses em 2020, deveria garantir vacina para todos, sem criar dupla fila para se omitir da própria responsabilidade
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Foto: KitzD66/Pixabay

A Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira 6 o texto-base do projeto de lei 948/2021, que autoriza a compra de vacinas contra a Covid-19 pela iniciativa privada, para a imunização de diretores e funcionários das empresas. O projeto segue agora para apreciação no Senado.

> Assine aqui abaixo-assinado pela inclusão dos bancários como grupo prioritário na vacinação

O texto aprovado na Câmara altera a Lei 14.125, aprovada em março, que autorizava a aquisição de vacinas por empresas desde que fossem doadas na sua totalidade ao SUS. Se o PL 948/2021 for aprovado no Senado e sancionado pela presidência da República, as empresas poderão aplicar as doses em seus funcionários, estagiários, diretores, prestadores de serviço e associados, de forma gratuita, seguindo a ordem de prioridade estabelecida no Programa Nacional de Imunizações (PNI), desde que doem a mesma quantidade utilizada ao SUS. 

Parlamentares e especialistas da área de saúde criticaram a aprovação do projeto, apontando que a medida não será eficaz no controle da pandemia e tornará a imunização da população desigual, privilegiando o poder econômico. 

“Essa política é feita nos moldes bolsonaristas: sem respeito à vida e à saúde. Privilegia empresários ricos, incentiva o "fura fila" da vacinação nacional e reforça as desigualdades. Com essa lei, um banqueiro de 50 anos, por exemplo, poderá se vacinar antes de um idoso de 70 que aguarda sua vez no SUS”, declarou nas suas redes sociais o deputado federal, médico e ex-ministro da Saúde, Alexandre Padilha. 

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Já para o ex-presidente da Anvisa, Gonzalo Vecina Neto, a vacinação não deve ser tratada como um ato individual, mas sim coletivo e, portanto, é importante organizá-la para que ocorra em massa, gratuitamente, por meio do PNI (Programa Nacional de Imunização). "Acho imoral, através de ter dinheiro, conseguir ter vacina. Acho que o esforço que o país tinha que fazer era garantir imunizante para os grupos prioritários o mais rápido possível", disse, em entrevista à CNN Brasil. 

Por sua vez, Mariângela Simão, vice-diretora geral da OMS (Organização Mundial da Saúde), afirma que ao invés de ampliar o acesso à vacina, a aquisição de vacinas pelas empresas dificultará ainda mais a imunização da população brasileira. 

"O posicionamento da OMS tem sido a favor das medidas governamentais e do fornecimento de vacinas de forma equitativa por meio das iniciativas públicas, sejam elas internacionais ou nacionais. Nós não podemos criar mais um degrau no acesso à vacina", declarou Mariângela Simão à CNN Brasil. 

João Gabbardo, coordenador executivo do Centro de Contingência da Covid-19, em São Paulo, não considera justo que parte da população tenha prioridade na vacinação por ter mais recursos e avalia que só seria possível ampliar a vacinação para todo o conjunto da população, com a disponibilização de doses pelas as empresas aos seus funcionários, após a imunização de todos os grupos prioritários. 

"Depois que terminarmos a vacinação com a população prioritária, a partir daí acho que é possível que tenhamos uma ampliação da vacinação para toda a população e, no caso, as empresas então poderão disponibilizar as vacinas para seus funcionários. Mas isso só depois de toda a população prioritária estar já vacinada", afirmou à CNN Brasil.

Vacina para todos

De acordo com a presidenta do Sindicato, Ivone Silva, o posicionamento da entidade segue na defesa da vacina gratuita para todos já, com a cobrança para que a categoria bancária seja inserida nos grupos prioritários de imunização, uma vez que as agências seguem abertas desde o início da pandemia, com a exposição dos trabalhadores ao risco de contaminação. Ela acrescenta que políticas sociais importantíssimas para socorrer a população neste momento, como é o caso do auxílio-emergencial, passam inevitavelmente pelo sistema bancário.

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“O projeto aprovado na Câmara cria uma fila dupla na vacinação. Permite, por exemplo, que um jovem sem comorbidades seja vacinado antes que uma pessoa mais velha, do grupo de risco, que aguarda a sua vez de ser imunizada pelo SUS. Temos de lembrar ainda que o Brasil possui hoje mais de 34 milhões de trabalhadores informais, sem vínculo trabalhista nenhum, o que corresponde a quase 40% do mercado de trabalho; mais de 14 milhões de desempregados; e mais de 30 milhões de aposentados. Estas pessoas, já em situação de vulnerabilidade, ficarão para trás na ordem de imunização com a aquisição de vacinas por empresas”, critica a presidenta do Sindicato. 

“Infelizmente, as vacinas são escassas, e pagamos o preço pela irresponsabilidade do governo federal que, entre outros desmandos, negou-se a comprar ainda em 2020 dezenas de milhões de doses da Pfizer. Essa escassez de doses significa que ao privilegiarmos o poder econômico na imunização, estaremos furando a fila de milhões de brasileiros, a maioria em situação de vulnerabilidade social. Só controlaremos a pandemia quando o governo brasileiro assumir a responsabilidade que lhe cabe, encarando a imunização como estratégia coletiva e não individual, trabalhando por vacinas para todos já”, conclui Ivone. 

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