A ex-presidenta Dilma Rousseff – democraticamente eleita e golpeada da Presidência sem ter cometido qualquer crime de responsabilidade – foi recebida na quarta-feira 20 por mais de 2.500 trabalhadores do setor de serviços de todo mundo, no Congresso da Uni Global Union, realizado em Liverpool, Reino Unido. Na sua fala, Dilma denunciou o processo contínuo de golpe ao qual o Brasil é submetido, suas nefastas consequências sociais e para as relações de trabalho, e a prisão política do ex-presidente Lula, primeiro colocado em todas as pesquisas de intenção de voto para as eleições presidenciais de outubro.
“Esse golpe, sobretudo, é contra a nossa luta de combate à desigualdade (...) As pessoas excluídas, a maioria da população, não têm reconhecido seu direito aos benefícios que um país com uma economia que está entre as grandes economias do mundo produz e cria. Os nossos governos [Lula e Dilma] mudaram essa situação. Retiramos 36 milhões de pessoas da miséria extrema. Não estou falando da pobreza. Estou falando da miséria extrema. Nós mudamos a face das universidades e pela primeira vez se duplicou o número de pessoas que acessavam o ensino superior. Entre eles estavam os negros, os indígenas, e os mais pobres do país. Todo esse processo criou, obviamente, conflitos. E por quatro eleições consecutivas, nós vencemos as eleições: 2002, 2006, 2010 e 2014”, enfatizou Dilma.
“Na verdade, o impeachment é um enquadramento do Brasil. O Brasil tinha de ser enquadrado econômica, social e geopoliticamente. O Brasil não tinha sido objeto de um processo que ocorreu de forma bastante acentuada na América Latina, que era o processo de desregulamentação do mercado de trabalho, da privatização das grandes empresas e da abertura desenfreada para o mercado internacional de uma parte das suas riquezas naturais, que são vastas. No Brasil isso não havia ocorrido. E o Brasil, nesse processo, estava contra a corrente. Nos nossos governos, principalmente por iniciativa do ex-presidente Lula, nós tínhamos criado uma política de relações internacionais com respeito a todos os países, com ênfase nos nossos vizinhos da América Latina e na África. Também tivemos uma grande iniciativa no caso da criação do G20, quando estávamos entre as oito maiores economias naquele momento, e também participamos dos BRICs. Enfim, tínhamos uma política de afirmação do Brasil no cenário internacional”, acrescentou.
De acordo com a ex-presidenta, o processo de golpe transformou o impossível de ocorrer politicamente através de eleições livres - a adoção de um projeto neoliberal derrotado sucessivas vezes nas urnas – no politicamente inevitável. Para Dilma, um dos primeiros atos do processo contínuo de golpe foi a aprovação de uma agenda de reformas que retirou direitos trabalhistas e sociais da população brasileira.
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“A agenda de reformas que eles conseguiram aprovar nesses dois anos foi basicamente uma alteração nos critérios orçamentários, colocando talvez a regra mais dura de qualquer país para o orçamento da União, que é por vinte anos não fazer qualquer investimento real acima da inflação. Isso para educação e saúde, em um país que precisa de educação e saúde. Ao mesmo tempo, o que eles conseguiram fazer de mais grave no país foi uma reforma trabalhista. Uma reforma trabalhista que era impensável no Brasil. A legislação trabalhista brasileira datava de 1943 e era produto, a partir de 1943, de várias vitórias conquistadas pelo movimento dos trabalhadores”, enfatizou.
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Reforma Trabalhista
“Apesar de ser muito similar a outras reformas trabalhistas aprovadas no mundo, a brasileira tem uma característica. Ela atinge de forma clara uma conquista histórica dos trabalhadores: a jornada de trabalho. Ao alterar as condições da jornada, eles criaram o trabalho intermitente, o trabalho precário, colocaram o trabalhador ao livre arbítrio do empresário, tiraram todas as grandes conquistas no que se refere a remuneração do trabalhador. E combinaram tudo isso com uma terceirização generalizada, que contempla também outra iniciativa: transformar o trabalhador supostamente em uma empresário e, com isso, evitar o pagamento de todos benefícios sociais e, sobretudo, dos previdenciários. A reforma chega ao ponto de permitir que a mulher grávida trabalhe em condições insalubres desde que ela negocie, como se o seu poder individual de negociação fosse significativo diante do poder do patrão. Além disso, como consequência muito grave da interferência na questão sindical, acabaram com o financiamento dos sindicatos, que vinha desde 1943. Com isso, tentam enfraquecer o sindicalismo construindo também a possibilidade de o trabalhador negociar individualmente com os patrões, criando um conceito de trabalhador hipersuficiente”, denunciou a ex-presidenta.
Para Dilma, com a reforma trabalhista, fruto do golpe, os conceitos de legislação trabalhista e Justiça do Trabalho foram alterados no país. “Passamos de uma legislação que reconhecia o trabalhador como o polo mais fraco para outra posição, que considera que o importante é proteger os patrões.”
O fracasso político do golpe
Dilma também abordou o que chama de fracasso político do golpe, explicitado no fato de que as forças políticas que apoiaram o seu impeachment não conseguiram lançar candidatos com chances de vitória na eleição presidencial.
“Infelizmente para os golpistas – que envolvem partidos, parte das finanças do Brasil, a mídia oligopolista e todos aqueles com interesses no enquadramento neoliberal do Brasil – eles não conseguem entregar o que prometeram. Falavam que todos os problemas eram devidos ao PT, mas ao assumirem não conseguiram resolver a situação. Pelo contrário, agravaram. Cortam programas sociais, tornam inviável a vida das universidades. Enfim, aplicaram o modelo que eles tinham. Então, o ex-presidente Lula, vítima de uma verdadeira campanha de destruição de sua respeitabilidade e personalidade, sobrevive e cresce nas pesquisas. Do outro lado, nenhuma das lideranças tradicionais dos golpistas sobrevive. Não encontram candidato”, destacou.
“O processo feito contra o presidente Lula tem relação com o fracasso político do golpe. As pesquisas começaram a mostrar que Lula possui mais que o dobro de votos que todos os outros candidatos somados. A saída que encontraram foi condená-lo, sem provas, a nove anos de prisão em primeira instância. Depois, lembraram que a pena dele cairia se dessem nove anos, pois tem mais de 70 anos, e aumentaram a pena para 12. Fizeram de tudo e acharam que, depois de preso, a sua popularidade cairia. Sessenta dias depois, ele mantém a mesma popularidade e intenção de votos”, acrescentou.
Dilma reafirmou ainda que o Partido dos Trabalhadores levará a candidatura do ex-presidente Lula às últimas consequências. “Querem que nós retiremos Lula das eleições, pressionam pelo plano B. Querem que façamos o trabalho violento e antidemocrático de retirar da eleição o primeiro colocado.”
Extrema Direita
Segundo Dilma, o processo golpista resultou também no crescimento da extrema direita no país. “O segundo colocado é um candidato que no dia do meu impeachment votou contra mim dizendo que votava pela ditadura, pela tortura e pelo torturador. Retiramos um monstro da nossa caixa de monstros. Todo o país tem sua caixa de pesadelos. Nós também temos e durante muito tempo foi negada, a escravidão. Escravidão que, até o final do século 19, dominou as relações produtivas. Que transformou a violência aberta na forma privilegiada de controle social.”
Eleições
Por fim, a ex-presidenta chamou a atenção dos presentes para a importância das eleições, de interromper o processo de golpe, revertendo suas consequências para os trabalhadores e toda a população, e destacou a capacidade do ex-presidente Lula como exímio negociador.
“Lula é um sindicalista. A vida inteira foi um sindicalista. Por ser um sindicalista, sempre foi um excepcional negociador. Precisamos fazer o Brasil se reencontrar, com eleições. Hoje o governo não existe (...) Precisamos interromper esse processo. É grave o que poderão fazer com a Previdência, em um país onde mais de 70% dos aposentados ganha um salário mínimo, mas que ao menos protege os idosos da miséria. Nós tiramos o país do mapa da pobreza da ONU. Eles vão fazer voltar. É urgente que a gente tenha condições de ganhar a eleição. Temos de unir o Brasil de novo”, concluiu Dilma, que encerrou sua fala com o lema “Lula Livre”, sendo acompanhada, em uníssono, por todos os trabalhadores presentes.