Argumento dos governos para justificar políticas de austeridade, como a Emenda Constitucional (EC) 95, que congela investimentos públicos por 20 anos, e da própria “reforma” da Previdência, a dívida pública deveria ser examinada cuidadosamente com a participação da sociedade. Só com uma auditoria cidadã poderia ser apurados esquemas, ilegalidades e irregularidades por trás do endividamento que todos os anos consome metade da receita federal, tirando recursos da saúde, da educação e outras áreas sociais.
Este é o teor de uma moção de repúdio contra a Presidência da República e o Congresso Nacional aprovada por delegados da 16ª Conferência Nacional de Saúde no dia 7 de agosto, último dia do evento. A reportagem é da Rede Brasil Atual.
A auditoria pública e cidadã da dívida, segundo a moção, não seria um exercício de contabilidade rotineira, “mas o início de um movimento de participação popular para reforçar os processos democráticos e confrontar o poder financeiro instalado”.
Uma Comissão Parlamentar de Inquérito instalada na Câmara entre 2009 e 2010 apurou uma série de indícios de irregularidades e ilegitimidades na composição da dívida brasileira. Entre elas, que o Estado assumiu dívidas privadas e que continuava pagando dívidas antigas, muitas vezes mediante mecanismos fraudulentos para desvios de recursos criados pelo próprio mercado financeiro.
Sindicato presente
O diretor do Sindicato dos Bancários e São Paulo, Osasco e Região, Welington Prado, conselheiro eleito do Centro de Referência de Saúde do Trabalhador (Cerest) participou da conferência. Ele cita a defesa do SUS, ameaçado pela Emenda Constitucional 95 e pelas medidas do governo Bolsonaro, como uma das principais bandeiras de luta da 16ª Conferência Nacional de Saúde. “O Sistema Único de Saúde vem passando por um processo de desmonte que ameaça o princípio do SUS, que é garantir atendimento universal à população brasileira. Foi tirada na conferência uma jornada de lutas em defesa do acesso universal à saúde, e também em defesa das liberdades democráticas, dos direitos sociais e contra todas as formas de privatização.”
Welington destaca ainda a pluralidade da conferência. “Reuniu, além de trabalhadores e gestores da Saúde, indígenas, militantes do movimento negro, movimento de mulheres, trabalhadores do campo e da cidade, LGBTs e o movimento sindical. Foi uma importante demonstração de unidade para enfrentar o momento de retrocesso e ataques aos direitos pelo qual estamos passando no país.”
1 milhão de árvores
Foi aprovada também uma moção de apoio de âmbito nacional, destinada ao Ministério do Meio Ambiente, da Saúde e da Educação, para que seja estimulado o plantio de um milhão de árvores, em cada estado, no dia 8 de dezembro. O objetivo é revitalizar a fauna e a flora, melhorando a qualidade de ar e da água, cada vez mais comprometidos com o avanço da desmatamento, entre outros retrocessos da política ambiental de Jair Bolsonaro que afetam diretamente as condições de saúde da população.
Saúde mental
Os delegados aprovaram ainda uma moção apresentada pelo Conselho Federal de Psicologia, para que o Ministério da Saúde convoque a 5ª Conferência Nacional de Saúde Mental. A justificativa, segundo o conselho que regulamenta e fiscaliza o trabalho dos psicólogos, é debater os retrocessos no setor. Prestes a completar 20 anos, a reforma psiquiátrica e seus avanços no cuidado das pessoas em liberdade estão comprometidos com a nova política de saúde mental aprovada recentemente. Entre outras abordagens condenadas internacionalmente, mas reintroduzidas por essas “novas” regras estão a internação compulsória para dependentes químicos em comunidades terapêuticas – o que é considerado como retorno dos manicômios.
Espaço de participação social em tempos fragilização da democracia, a 16ª Conferência reuniu cerca de 5 mil pessoas em Brasília desde domingo. Ao todo foram aprovadas 329 propostas oriundas de todos os estados, que estão sendo consolidadas no relatório final. O objetivo é nortear as ações do Ministério da Saúde para o SUS. E aprovadas 57 moções que marcam o posicionamento do evento em relação a diversos temas ligados à saúde.
“Nós somos a favor da luta nas suas diferenças e a contribuição de cada segmento da saúde foi fundamental nesse processo. Estamos construindo coletivamente a garantia do SUS como nós sonhamos”, disse Fernando Pigatto, presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), órgão responsável pela organização da 16ª Conferência.
No domingo, pouco antes da abertura oficial da encontro, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, se comprometeu em receber as demandas da conferência. E a aproveitar aquelas que estiverem alinhadas com a política pública do governo.