Pular para o conteúdo principal
Chapéu
Conferência Nacional

Modernização pode gerar mais exploração do trabalhador

Linha fina
Na quarta mesa de debates da 21ª Conferência Nacional dos Bancários, os palestrantes debateram sobre os impactos das inovações tecnológicas no setor bancário e como o movimento sindical poderá se organizar diante dos ataques vindos também por parte do governo
Imagem Destaque
Foto: Seeb-SP

“As mudanças tecnológicas são responsáveis pela destruição de 65% dos postos de trabalho”. Com essa palavras, o economista e professor da Unicamp, Marcio Pochmann, presidente da Fundação Perseu Abramo, abriu sua fala sobre Futuro do Trabalho, Impactos nos empregos e na Organização Sindical, tema da quarta e última mesa de debates da 21ª Conferência Nacional dos Bancários, na manhã de domingo 4.

A conferência iniciou na noite de sexta-feira 2 e encerrou-se na tarde de domingo 4, após plenária final que aprovou resoluções, monções e calendário de luta. Leia reportagens abaixo.

Mesa de abertura da 21ª Conferência Nacional dos Bancários
Análise de conjuntura abriu debates da Conferência Nacional
Capital internacional ameaça soberania nacional
Carlos Gabas: “Não existe reforma. É ajuste fiscal nas costas do trabalhador”
Vídeo: Ivone Silva destaca a importância dos temas dos três dias de debates
Plenária final: bancários reafirmam defesa da soberania nacional

Para Pochmann, essa mudança vem gerando um enorme desconforto no mundo do trabalho ao criar um quadro desfavorável para os trabalhadores, com menos emprego e uma grande desigualdade na concentração de renda.

“Não somos contra as inovações tecnológicas. O que não queremos é que ela substitua o trabalhador ou que gere mais desemprego. E para aqueles que são absorvidos pelo mercado, que não entrem em uma competitividade entre si”, disse.

> Artigo: Bolsonaro encaminha desmonte da soberania à espera de milagres externos

Segundo o economista, se fossem observados os modos de produção, não deveria haver desemprego. Isso porque hoje o trabalhador está trabalhando mais do que o normal, inclusive fora do local de trabalho. “Há uma exploração da mão de obra por conta da tecnologia. Hoje é permitido e é possível trabalhar mais que 44 horas semanais e fora do ambiente de trabalho”, destacou.

Ele ponderou que os movimentos sindicais precisam estar preparados e ter estratégias para ter acesso a uma gama de trabalhadores de um setor que não gera trabalho palpável. “É preciso criar uma agenda, de média e longo prazo, para recuperar o contato com esses trabalhadores e juntos combater a exploração e a intensificação do trabalho.”

Mudanças no layout dos bancos

A economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) Vivian Machado apresentou dados da pesquisa "A Indústria 4.0 nos Bancos". Ela destacou que a tecnologia nos bancos vem crescendo a cada ano: em 2014, os bancos investiram R$ 20 bilhões para essas inovações, e de 2014 para cá já investiram quase R$ 100 bilhões, perdendo somente para o governo no que se refere em investimento em tecnologia. 

Ele destacou que a Inteligência Artificial está crescendo a cada dia e cada vez mais mostra sua eficiência. Isso se comprova com os números de transações realizadas pelos canais virtuais.

Segundo a pesquisa, as transações virtuais realizadas desde 2014 subiram de 17 mil para 19 mil. Dessas transações, 60% não tiveram contato humano, o próprio cliente realizou o serviço e 80% dos serviços foram para pagamentos e 119% para transferências, ambos via celular.

A economista ainda disse que o crescimento dos serviços oferecidos pelas inovações tecnológicas acaba refletindo na redução do número de agências no Brasil. O número passou de 23,1 (milhares) para 21,6 (milhares). “E elas também acabam influenciando os bancos a mudarem sua cara também. Hoje já é possível encontrar novos layouts nas agências e muitas delas em espaços compartilhados com cafeteria, por exemplo, como o Santander”, informou.

Outro surgimento e que tem crescido muito rapidamente são as chamadas Fintechs. O nome surgiu da união das palavras financial e technology e são maioritariamente startups que trabalham para inovar e otimizar serviços do sistema financeiro. Essas empresas possuem custos operacionais muito menores se comparadas às instituições tradicionais. Já investem neste ramo os bancos Bradesco com o Habitat, o Itaú Unibanco com o Cubo e o Santander com o Radar.

“Os números já são significativos. Hoje no país já existem 28 mil trabalhadores espalhados em mais de 500 empresas. 64,5% delas estão na região sudeste e 58% em São Paulo. Resta o movimento sindical saber quem são, onde estão e como se aproximar deles sendo que boa parte trabalha em casa”, destacou Vivian Machado.

O economista do Dieese Gustavo Carvazan Machado também concorda com os impactos das inovações tecnológicas. Segundo ele, isso tem gerado uma mudança na composição do mundo do trabalho. O perfil do trabalhador, que antes os sindicatos representavam e tinham acesso, já não é mais o mesmo.

“No setor bancário, as mudanças estão extinguindo aquelas postos onde o trabalhador era mais fiel e se identificava mais com a luta do movimento sindical na garantia de emprego e direitos. Hoje, no modelo das novas agências, resistem apenas os cargos de gerência”.

Aliado a essa mudança, está o surgimento de novas camadas e franjas de trabalhadores prestando serviços ao ramo financeiro. Um deles são os que atuam na venda de planos de saúde. O número subiu de 15 mil para 90 mil, em 2017. “Eles não são bancários, mas atuam como se fossem, dando lucros para os bancos”.

Ele destacou ainda que o número de trabalhadores em comércios que atuam como Correspondentes Bancários também têm aumentado. Hoje existem 200 mil estabelecimentos comerciais que realizam atividades de bancos e que embora os trabalhadores não sejam bancários, ganham um salário mínimo, atuam como se fossem e ainda geram lucro para os bancos.

“É preciso repensar essa nova camada que está se expandindo no mercado formal e informal e criar um modelo de atuação sindical para dialogar com esses trabalhadores. Se não, haverá cada vez menos trabalhadores sindicalizados não porque o trabalhador está se desassociando, mas porque está se criando um modelo sem representatividade”, disse.

Unidade para barrar os ataques

Já o representante da LBS Advogados José Eymard Loguercio acredita que a saída para o movimento sindical seja a pluralidade e não mais a organização por setor. Já que as mudanças e a destruição das leis trabalhistas estão cada vez mais certas de serem implementadas diante do cenário político atual.

Para ele, desde que foi aprovada a reforma trabalhista, no governo Temer, a reforma da Previdência e a MP 881 que dá liberdade ao empregador de contratar sem ter de negociar os finais de semana, os trabalhadores estão sofrendo cada vez com as brechas que há nas formas de contratação de mão de obra. E se os sindicatos não estiverem preparados estarão cada vez mais fora dessas negociações.

“Os sindicatos sempre tiveram um papel importante ao longo da história a fim de diminuir as desigualdades e garantir direitos. Se não fosse o movimento sindical defender os empregos e o Banespa, no governo Fernando Henrique, a privatização teria acontecido muito mais rápido”, lembrou.

Ele ainda diz que após o golpe e a eleição de um representante da extrema direita, o movimento sindical está sendo obrigado a lutar diariamente contra as deformas e contra o discurso de um presidente que diz que tem que desconstruir muita coisa.

“O que está em jogo é o discurso de modernização contra a autonomia e desregulação sindical. Então, é preciso fazer um esforço de reorganização para enfrentar os novos desafios em termos de representação em um momento difícil em que o país atravessa, com um viés autoritário e desconstrutivo. O momento precisa de unidade das centrais, na discussão dos eixos de atuação e agregação das atividades para conseguir manter a liberdade sindical”, finalizou.

 

 

 

seja socio