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Chapéu
Homenagem

1º Campeonato de Xadrez Luiz Gushiken, pela liberdade e democracia

Linha fina
Torneio homenageia o ex-presidente do Sindicato, preso em abril de 1980 durante uma simultânea de xadrez entre bancários e enxadristas campeões para arrecadar dinheiro para o fundo de greve dos metalúrgicos do ABC, e todos aqueles que lutaram contra arbitrariedades e injustiças
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Foto: Esdras Martins/Arquivo/Seeb-SP

Em 28 de abril de 1980, Luiz Gushiken, então vice-presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região; Herbert Carvalho, campeão paulista de xadrez; e Genésio dos Santos (foto abaixo), à época funcionário do Banco do Brasil; foram presos por agentes da ditadura durante uma simultânea de xadrez realizada pela entidade para arrecadar dinheiro para o fundo de greve dos metalúrgicos do ABC. Na ocasião, toda a diretoria do sindicato daquela categoria, incluindo o seu presidente, Luiz Inácio da Silva, o Lula, estava presa no Dops, em São Paulo.

O local escolhido para a disputa foi a Praça Antônio Prado, no coração do chamado “centro bancário” da capital. Próximo da hora do almoço, tabuleiros de xadrez foram dispostos na praça para quem topasse desafiar, além de Herbert Carvalho, o então vice-campeão brasileiro Cícero Braga. À época, o Sindicato dos Bancários usava o xadrez em algumas campanhas, inclusive para conversar com bancários dentro das agências e sindicalizá-los. 

“Quando eu cheguei, o Gushiken estava lá na praça com o Herbert de Carvalho, que fazia uma simultânea para quem aparecesse ali para jogar nas mesas então dispostas. Eu trabalhava no banco das 7h às 13h. Depois, almoçava e ia para casa. Naquele dia, fiz o que sempre fazia, mas, na volta, parei para jogar. Àquela hora, por volta das 14h, estavam já desmontando as banquinhas, e eu e o Herbert ficamos jogando sozinhos durante uns 5, 10 minutos. Eis que chegaram os homens da polícia e levaram presos eu, o Herbert e o Gushiken. Na época, a acusação era que, ao apoiar a greve dos metalúrgicos do ABC, estávamos fazendo algo proibido”, lembra Genésio dos Santos, que futuramente seria dirigente do Sindicato e hoje está aposentado.

Em 1980, segundo Genésio, a região das Ruas São Bento, Boa Vista e XV de Novembro concentrava em torno de 20 mil bancários, cuja maioria apoiava as atividades esportivas, culturais e lúdicas do Sindicato à época em defesa das liberdades e da democracia.

“Não eram só os bancários que se solidarizavam com a greve dos metalúrgicos e almejavam mudanças políticas no país naquele momento. A maior parte da sociedade também o fazia. Havia um desgaste da ditadura, que cresceu principalmente em 1979, com o retorno dos exilados ao Brasil. Mas a repressão era ainda muito forte. Antes e depois daquele evento de xadrez, diretores do Sindicato foram presos”, conta.

Em depoimento à Fundação Perseu Abramo, Luiz Gushiken, morto em 2013, lembrou que, na ocasião, a prisão de Lula e de seus companheiros metalúrgicos indignou e comoveu a sociedade brasileira. “Campanhas de solidariedade a Lula e a sua categoria são organizadas (à época) em profusão, sendo, obviamente, vistas com maus olhos pela ditadura”, disse. “Enquanto os bancários se divertiam com os campeões, com megafone na mão, explicávamos a razão daquele evento, ao mesmo tempo em que recolhíamos dinheiro para auxiliar os metalúrgicos grevistas”, acrescentou. “Parece que a ditadura não apreciava muito o entretenimento político, muito menos o jogo de xadrez, pois rapidamente aquele evento transformou-se em prisão de dirigentes sindicais e do ilustre campeão paulista daquele esporte”, lembrou Gushiken.

Detidos, Genésio, Herbert Carvalho e Luiz Gushiken foram levados para o Dops, mesmo local onde estavam presos Lula e toda a diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, enquadrados com base na Lei de Segurança Nacional e lá passaram encarcerados o 1º de Maio, Dia do Trabalhador.

“Costumo dizer que (aquele dia) eu não perdi para o Herbert Carvalho, pois levaram o tabuleiro (risos). Ele tinha umas duas ou três peças de diferença e eu não teria como reverter a situação. Estávamos jogando xadrez e fomos, coincidentemente, parar no xadrez”, brinca Genésio.

Tabuleiros de xadrez, a prova do ‘crime’

Em seu livro de história do xadrez e de memórias pessoais, intitulado “Tabuleiro da Vida”, Herbert Carvalho lembra que o colega enxadrista Cícero Braga não foi preso por agentes da ditadura porque suas partidas já tinham terminado. “Estávamos havia três horas na praça e havia uma única partida, em que Genésio dos Santos Ferreira jogava muito lentamente, e não desistia, apesar de ter quatro peças a menos. Pela primeira vez um enxadrista foi preso por ser lento e teimoso. Também foi a primeira vez que tabuleiros foram apreendidos para servirem de prova de crime contra a segurança nacional de um país”, escreveu.

Para Marcelo Gonçalves, secretário de Cultura do Sindicato, o 1º Campeonato de Xadrez Luiz Gushiken, é uma homenagem tanto ao ex-presidente da entidade quanto a todos que lutaram e ainda lutam pela liberdade e pela democracia no Brasil. “Gushiken é uma inspiração para os dias de hoje, os quais o autoritarismo e a destruição de direitos voltam a ameaçar as nossas conquistas e liberdades. Além de histórico, o episódio da prisão na Praça Antonio Prado é emblemático. O dia em que uma simultânea de xadrez em solidariedade aos metalúrgicos grevistas foi enquadrada como crime contra a segurança nacional. E esta história e seus respectivos personagens precisam ser lembrados e homenageados”, enfatiza.

Podem participar do torneio de xadrez bancários e seus dependentes de 1º grau, além de outros trabalhadores integrantes de outras entidades sindicais e associativas. A entrada é franca, e as inscrições serão feitas por meio de um formulário, que pode ser acessado aqui.

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