Na ocasião da transferência do Conselho Superior de Cinema para a Casa Civil, em 18 de julho, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que não pode “admitir filmes como Bruna Surfistinha com dinheiro público”. O presidente chegou a deixar clara sua intenção de aplicar “filtros” na produção cinematográfica brasileira – inclusive garantindo que haverá cerceamento de obras que não sejam condizentes com a moral judaico-cristã.
“Nós não queremos nem censuraremos ninguém, mas não admitiremos que a Ancine faça peças ditas culturais que vão contra os interesses e nossa tradição judaico-cristã”, afirmou. Assista ao vídeo:
Seguindo na linha adotada pelo presidente, o Banco do Brasil divulgou, nesta segunda-feira 12, o edital para seleção de obras de longa-metragem que receberão investimentos do BB DTVM via Lei do Audiovisual. O formulário para inscrição das produções questiona textualmente se a obra tem cunho político ou religioso; se faz referência a crimes e prostituição; ou, ainda, se há cenas de nudez.
“É um absurdo o governo usar o Banco do Brasil para aplicar esta clara tentativa de censurar, através da força do dinheiro, o cinema brasileiro. Se um filme aborda uma temática relacionada a uma religião diferente da do presidente, não poderá ser realizado? Vários filmes brasileiros com cenas de nudez são premiados internacionalmente! O BB deveria zelar pela pluralidade de ideias e de temas. Vetar que empresas públicas financiem obras cinematográficas devido ao seu conteúdo é uma clara tentativa de censura, a qual o presidente do banco público, Rubem Novaes, corrobora”, criticou João Fukunaga, bancário do BB e secretário de Assuntos Jurídicos do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região.
Para se ter uma ideia, o filme “Bruna Surfistinha”, mencionado por Bolsonaro, utilizou recursos da Lei do Audiovisual e teve orçamento de R$ 4 milhões. Segundo reportagem do jornal O Globo, o longa foi visto por 2,1 milhão de pessoas e gerou renda de R$ 20 milhões. Mesmo assim, o governo coloca em prática sua tentativa injustificada de censurar obras de arte.
“Além de atentar contra o estado laico, a postura do governo e da direção do banco é extremamente equivocada, uma vez que não é doação para a produção, mas sim um investimento que traz retornos não só financeiros, mas como forma de fomento a uma indústria e de preservação do patrimônio cultural do nosso país”, completou Fukunaga.
Histórico de censura
Em abril, o presidente Jair Bolsonaro ordenou pessoalmente que o Banco do Brasil retirasse do ar uma campanha publicitária estrelada por atores e atrizes negros e jovens tatuados usando anéis, dreadlocks e cabelos compridos. O episódio culminou na queda do diretor de Comunicação e Marketing do BB, Delano Valentim, funcionário de carreira do banco, que deixou o cargo. Dias depois, Novaes fez uma série de ataques à diversidade ao defender o veto à propaganda, afirmando que “o ‘empoderamento’ de minorias era o instrumento acionado em diversas manifestações culturais (...), onde se procurava caracterizar o cidadão ‘normal’ como a exceção”.
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